O debate acerca da possibilidade de transmissão do novo coronavírus por meio de alimentos, em especial de carnes, foi levantado mais uma vez, durante a semana passada, quando surgiram notícias afirmando que traços do vírus haviam sido encontrados em frango brasileiro exportado para a China. Apesar dos esforços de especialistas em difundir que os alimentos não são agentes transmissores, este questionamento vem sendo feito desde o início da pandemia. Para o virologista e professor da faculdade de veterinária da USP, Paulo Brandão, este tipo de confusão se deve ao fato de muito conhecimento ter sido acumulado em pouco tempo acerca da covid-19. “No início foi disseminado que o vírus havia surgido de pessoas que consumiam morcegos. E não, não foi a ingestão de carne deste animal que levou ao contato de humanos com o vírus. Foram outros tipos de interação, como pessoas indo até o ambiente natural, capturar esses morcegos. Não foi a alimentação em si.” Além disso, ele explica que a preocupação que o público em geral tem com a contaminação acaba fazendo com que as pessoas aumentem o nível de alerta a qualquer coisa que elas suspeitem que transmite o vírus, principalmente através de notícias, ainda que essas sejam infundadas. “Como mostram as pesquisas acumuladas por anos sobre outros tipos de coronavírus, a possibilidade de contaminação através da alimentação é tão baixa que chega a ser desprezível”, explica Brandão.
O assunto foi tema também de uma live, onde a doutora Bernadette Franco, Coordenadora do Centro de Pesquisas de Alimentos da USP, foi convidada para responder à pergunta, “por que o novo coronavírus não é transmitido pelos alimentos?” Ela explicou, que a contaminação não é possível por diversos fatores: “nenhum vírus consegue se multiplicar sozinho, ele precisa parasitar em uma célula. No caso do corona, que é um vírus respiratório, ele só vai conseguir infectar células do trato do sistema respiratório onde o vírus se liga, e essas células não existem nos alimentos.” Segundo ela, para que o vírus seja encontrado em um alimento, ele precisa ter sido manipulado por alguém infectado, através da mão suja de saliva ou de suor. “Para que haja contaminação é necessário que alguém contamine a superfície do alimento acidentalmente e que esse alimento seja consumido cru, sem nenhum tratamento. A OMS recomenda que as pessoas evitem comer alimentos de origem animal crus, ou pouco processadas, pois existe uma chance remota de contágio. Em condições de higiene, esse perigo não existe. Medidas básicas previnem este tipo de acontecimento, sabão e álcool destroem a estrutura do vírus.”
Quanto à possibilidade de contaminação através de embalagens, a Doutora tranquiliza: “não podemos dizer que não é possível contaminar embalagens, mas que é improvável. Se o vírus está lá, é por que alguém contaminado colocou a mão. Por isso recomendamos tanto a higiene dos colaboradores, e dos consumidores, que devem higienizar as embalagens ao chegar em casa. O vírus não sobrevive muito tempo em embalagens, salvo em casos de congelamento, onde ele congela e quando descongela permanece o mesmo. Os testes que foram feitos sobre o tempo de sobrevivência dele no plástico, foram conduzidas em condições perfeitas de laboratório, com grande quantidade do vírus para detecção, não são condições da vida real.” Para ela, pouco se sabe sobre o caso de contaminação de frango brasileiro, “não sabemos se esse traço de vírus foi encontrado no frango, na embalagem ou caixa do frango. Um navio transporta toneladas de carne de aves, eles acharam em uma asa. Nem o MAPA sabe ainda como foi isso, onde foi a provável contaminação, está tudo muito vago. Encontrar traços do vírus por si só não quer dizer nada, pois sem estar ligado a uma célula receptora, ele não faz nada, e ainda não sabemos qual é a quantidade necessária para que haja infecção. O vírus não entra no corpo pelo alimento, ele entra pelas vias respiratórias.”
O caso, apesar de ter sido protagonizado pelo frango, afeta toda a cadeia de proteína animal brasileira, e não é nenhuma novidade para o setor, em especial para o suinícola. Segundo Paulo Brandão, a vinculação errônea entre suínos e doenças, se dá pela ligação que é feita quando se fala em influenza. “As pessoas logo lembram de 2009, quando houve a grande disseminação do vírus da influenza que veio de suínos. Naquela época também se começou a disseminação de informações infundadas, de que o vírus da gripe era transmitido através da carne suína. Na época foi estabelecido que esse não era um fato, mas quando se fala deste novo vírus as pessoas acabam se confundindo e criando um pânico inconsistente. O consumidor realmente não tem uma ideia clara de como funciona a cadeia de produção de suínos e de outros animais. E também não conhece todos os cuidados que são tomados normalmente e que agora vem sendo redobrados em função desse novo coronavírus. As pessoas não têm acesso a essa informação.” Bernadette também cita o desafio que é levar esse conhecimento adiante: “uma das maiores dificuldade que temos, é transmitir essas informações para fora do mundo acadêmico.” Como saída para contornar este desafio, Brandão recomenda que o setor invista em comunicação, “seria muito eficiente investir em pequenas campanhas de divulgação da segurança do alimento que é assegurada dentro das diversas etapas da cadeia de produção, e das medidas que vêm sendo tomadas agora especificamente em relação a esse novo coronavírus, por vias que atingissem facilmente o público consumidor.”
19 de agosto de 2020 / ABCS / Brasil.
abcs.org.br