Microbiota intestinal é o termo usado para descrever o conjunto de microrganismos que vivem no trato gastrointestinal. Estes microrganismos são muito diversos e incluem vírus, bactérias, protozoários, fungos e ácaros. Tem sido descrito que o número de microrganismos do intestino é igual ao número total de células do hospedeiro (Sender, Fuchs et al. 2016). É importante destacar que a microbiota intestinal desempenha, pelo menos, 3 funções críticas dentro do hospedeiro, que incluem: ser uma barreira protetora, digerir e metabolizar os nutrientes e regular a imunidade (Figura 1). A colonização microbiana do intestino do suíno, nas primeiras semanas de vida, é afetada por muitas variáveis, entre as quais se destacam as microbiotas vaginais, da pele e fecais da porca, o consumo de leite e alimento, o ambiente da exploração e as instalações, as infecções virais e bacterianas, as injeções de antimicrobianos e o stress durante o manejo ou o transporte. Estes eventos podem desempenhar um papel importante na característica do microbioma que o animal terá durante toda a sua vida produtiva (Niederwerder 2017). A relação e o equilíbrio entre os microrganismos intestinais são complexos e não se reconhece bem nos estados de saúde ou de doença. Contudo, existe uma crescente evidência que apoia o papel da microbiota intestinal como agente principal na presença de doença.
O transplante de microbiota fecal ou FMT (na sua sigla em inglês) é o processo mediante o qual se recolhem as fezes de um doador saudável e se transplantam para um indivíduo doente. Similar ao transplante de órgãos, o objetivo do FMT é melhorar a saúde do receptor do transplante. O processo de FMT não só transplanta microrganismos vivos e mortos, como também pequenas partículas de alimento, células dos intestinos delgado e grosso e produtos metabólicos das bactérias (Bojanova y Bordenstein 2016). O mecanismo pelo qual o FMT é eficaz não está bem definido para a maioria das doenças. Contudo, crê-se que os benefícios derivados do FMT se devem a um aumento de microrganismos favoráveis, a um aumento da diversidade microbiana e à estimulação da imunidade da mucosa (Niederwerder 2018).
Nos seres humanos, o FMT é usado, mais comumente, como ferramenta terapêutica para as infecções recorrentes por Clostridium difficile, que não respondem ao tratamento antimicrobiano (Gough, Shaikh et al. 2011). Contudo, o FMT foi reconhecido recentemente como uma terapia potencial para uma ampla gama de outras doenças nos seres humanos, como a Síndrome do Intestino Irritável, a colonização de agentes patogênicos resistentes aos antimicrobianos, a Síndrome Metabólica e a resistência à insulina (Bakker and Nieuwdorp 2017). Nos animais, o FMT, ou transfaunação, também foi utilizado como uma ferramenta terapêutica para várias doenças, como a infecção em cães por parvovírus, as complicações pós-cirúrgicas do deslocamento do abomaso à esquerda nos bovinos e na colite equina (Niederwerder 2018). Além do potencial terapêutico da FMT nos animais, também se exploraram os usos profiláticos e imunogênicos do FMT. Por exemplo, investigou-se o FMT como uma ferramenta potencial para aumentar a eficiência dos alimentos tanto em aves como em suínos (Niederwerder 2018).
No nosso laboratório investigamos o uso da microbiota intestinal e do FMT na prevenção e no controle da doença associada ao Circovirus Suíno (PCVAD). Na PCVAD reproduz-se experimentalmente através de um modelo de co-infecção que utiliza o vírus da Síndrome Respiratória e Reprodutiva Suína (PRRSv) e o Circovírus Suíno tipo 2 (PCV2). As co-infecções com PRRSv e PCV2 são comuns e causam perdas econômicas significativas na produção suína em diversos países . A microbiota intestinal é uma ferramenta alternativa para o controle e a prevenção de doenças provocadas por estas co-infecções. O nosso trabalho inicial demonstrou que o aumento da diversidade da microbiota intestinal estava associado a melhores resultados clínicos de suínos nos grupos co-infectados com PRRSV e PCV2 (Niederwerder, Jaing et al. 2016, Ober, Thissen et al. 2017). A melhoria caracterizou-se por uma menor sintomatologia clínica e por um maior ganho de peso.
Dados os benefícios consistentes proporcionados pela diversidade microbiana contra as co-infecções nos nossos trabalhos prévios, recentemente investigamos a FMT como uma ferramenta preventiva para PCVAD (Niederwerder, Constance et al. 2018). Em concreto, recolheram-se fezes de 2 fêmeas suínas doadoras com estado sanitário e produtividade elevadas, com leitegadas grandes, elevado número de leitões nascidos vivos, baixa mortalidade antes do desmame, sem mumificação fetal e sem terapia antimicrobiana recente. Dez pares de animais da mesma leitegada foram distribuídos entre o grupo FMT e o Controle. O material de transplante foi administrado nos leitões durante 7 dias consecutivos antes de se co-infectar com PRRSv e PCV2. Os animais transplantados foram comparados com os suínos controle, aos que se administrou solução salina. Os nossos resultados demonstraram que os animais que receberam o FMT tiveram menos sinais clínicos associados a PCVAD, diminuíram a replicação dos vírus PRRS e PCV2, tiveram um maior ganho de peso e aumentaram a produção de anticorpos contra ambos os vírus (Niederwerder, Constance et al. 2018).
Em geral, os microrganismos intestinais e o transplante de microbiota fecal são ferramentas interessantes que se pode utilizar para melhorar a saúde dos suínos e prevenir doenças como as associadas à infecção por PCV2.