0
Nos animais, assim como nos humanos, as idades precoces podem ser decisivas para a saúde do animal ao longo da vida. As intervenções para melhorar a condição dos leitões resultarão em animais com menos problemas de saúde e mais produtividade.
Microbiota: origem e função
Os leitões, como outros mamíferos, adquirem a microbiota após o nascimento. A microbiota desempenha papéis muito relevantes na saúde através do seu envolvimento na maturação do sistema imunitário ou na exclusão de agentes patogênicos através da competição. Assim, a diversidade da microbiota tem sido relacionada com a saúde dos seus hospedeiros e paralelamente, a disbiose tem sido associada a diversas doenças. (Hou, 2022, Vientos-Plotts, 2023).
A microbiota mais estudada tem sido a intestinal, mas outras, como a da cavidade nasal, também estão em estudo. De fato, observou-se que uma microbiota nasal ao desmame com baixa diversidade bacteriana aumenta a predisposição dos leitões desmamados para desenvolver poliserosite causada por Glaesserella parasuis, Streptococcus suis e Mycoplasma hyorhinis (Blanco-Fuertes 2021, Correa-Fiz 2016, Fredriksen, 2022 ). Em leitões saudáveis, as bactérias mais prevalentes e/ou abundantes na cavidade nasal ao desmame são Moraxella, Glaesserella, Streptococcus, Bergeyella, Lactobacillus, Mycoplasma, Neisseria, Rothia e Prevotella.
Embora não seja o único fator, o contato com a mãe é essencial para o estabelecimento da microbiota nasal dos leitões. Os leitões sem contacto com as mães (recolhidos ao nascer) ou com contato limitado (menos de 12 h) apresentavam uma microbiota alterada, dominada por bactérias mais típicas da microbiota fecal que normalmente não se encontram em abundância no focinho dos animais, das ordens Bacteroidales e Clostridiales (Obregon-Gutierrez, 2021 e 2023).
O contato com as matrizes teve um efeito maior do que o ambiente em que os leitões foram criados (Obregon-Gutierrez, 2021), embora o ambiente também possa afetar a composição da microbiota e o desempenho dos animais (Trudeau, 2023).
Quais são os efeitos colaterais dos medicamentos? Medicamentos e microbiota
Durante muito tempo, os antibióticos foram o método preferido para o controle de doenças infecciosas bacterianas, mas temos visto mudanças regulatórias para restringir o seu uso devido ao grande problema colocado pela resistência a estes compostos. Além disso, os efeitos secundários destes medicamentos sobre as bactérias benéficas da microbiota também podem representar um prejuízo para a saúde dos animais, uma vez que tratamentos excessivos com antibióticos podem causar disbiose.
Este efeito foi claramente exposto por Mark White (2014) num caso clínico onde foram observadas claudicações e problemas respiratórios, que se tentou controlar com medicação ao nascimento com amoxicilina de longa duração em dose elevada, aproximadamente 3 vezes a dose recomendada. Foram observados problemas clínicos na transição (também medicados) e em alguns animais não se resolveram, apresentando lesões de pleurite e pericardite no frigorífico. Foi recomendada a eliminação da medicação ao nascimento com base no potencial efeito que esta elevada dose de antibiótico poderia ter na implantação da microbiota, tendo sido observada uma melhoria clínica na granja. Nas amostras nasais dos leitões desta granja após a eliminação do antibiótico, observou-se que a microbiota nasal apresentava uma diversidade muito elevada, em comparação com granjas que ainda utilizavam antibióticos ao nascer.
Para demonstrar mais diretamente o efeito dos antibióticos perinatais na microbiota nasal e subsequente saúde dos leitões, conduzimos um estudo em duas granjas com problemas de poliserosite na creche que trataram os seus leitões com antibióticos ao nascimento e com uma semana de idade. Ao desmame, foram retiradas amostras nasais dos leitões antes e depois da retirada dos tratamentos, observando-se um aumento na diversidade da microbiota nasal (Correa-Fiz, 2019,). Além disso, a eliminação da medicação na maternidade resultou numa melhoria clínica dos leitões na creche (menor mortalidade, custo dos medicamentos e taxa de conversão). Os antibióticos perinatais estavam causando uma redução na diversidade, o que poderia estar relacionado com uma pior funcionalidade da microbiota, apoiando o papel de uma microbiota nasal diversificada no controle de doenças.
A microbiota começa a estabelecer-se após o nascimento, pelo que as intervenções com antibióticos perinatais evitam que uma microbiota saudável se estabeleça precocemente, atrasando o seu estabelecimento ou afetando irreversivelmente a sua composição.
Numa granja com problemas respiratórios, o tratamento com ceftiofur de leitões recém-nascidos ou das suas mães, alguns dias antes do parto, causou alterações na microbiota nasal, incluindo um aumento inesperado na diversidade da microbiota nasal com 1 semana de idade. Este aumento na diversidade, longe de refletir uma microbiota mais saudável, foi devido a uma variedade de bactérias ambientais, cuja presença no nariz pode ser considerada um indício de disbiose (Blanco-Fuertes 2023). Diferentemente do intestino, a cavidade nasal está em contato direto com o exterior e as bactérias ambientais acessam a mucosa, que foi despovoada por bactérias típicas do nariz devido ao antibiótico (Figura 1). Embora esta colonização por bactérias ambientais tenha sido temporária, às 3 semanas de idade a composição da microbiota nasal ainda estava alterada. A composição da microbiota nasal dos leitões tratados voltou ao normal no final do período de creche, mas os leitões nascidos de mães tratadas sofreram uma alteração mais duradoura (Blanco-Fuertes 2023).
Esta alteração poderia ser revertida com a inoculação de leitões recém-nascidos com colonizadores nasais obtidos de leitões saudáveis. Além disso, esta inoculação produziu uma redução dos sinais clínicos (principalmente claudicação) na creche, possivelmente devido a uma redução na transmissão de bactérias (incluindo agentes patogénicos) das mães que são substituídas pela inoculação de agentes normais da microbiota nasal, potencialmente benéfico (Blanco-Fuertes 2023). A estratégia de aplicação de tratamentos antibióticos às mães também parece selecionar um maior número de bactérias resistentes que são transmitidas aos leitões, pelo que a sua necessidade deve ser avaliada.
Em resumo, os antibióticos são facas de dois gumes e podem afetar negativamente a microbiota. A microbiota nasal e a sua manipulação abrem opções para apoiar a saúde dos leitões e a proteção da saúde geral.
