Introdução
A polpa de beterraba sacarina é um coproduto da indústria açucareira. A polpa é a fração fibrosa (50% do total), que é obtida após extração do xarope de glicose por temperatura (60-70ºC). Essa fração fibrosa é composta basicamente pelas paredes celulares da casca e pela polpa da beterraba com um restante de 2 a 4% de açúcar. Na alimentação animal, esta fração úmida pode ser utilizada diretamente, após prensagem (27% da matéria seca; 21% do total) ou seca e granulada (90% da matéria seca, 5% do total, sendo esta a forma de apresentação e preservação mais comum). Geralmente, uma pequena fração do melaço (cerca de 3%) obtida no próprio processo de extração é reintroduzida para facilitar o processo de granulação, o que aumenta ligeiramente seu valor energético e palatabilidade. A polpa granulada tem teor de umidade de 8 a 12%, teor de cinzas de 4 a 5%, proteína bruta de 7 a 8,9%, gordura bruta de 0,5 a 0,6%, teor de fibra bruta de 15 a 20% e neutro fibra detergente (NDF) de 40-50%. O teor de FDN na polpa de beterraba sacarina pode variar dependendo de fatores como o grau de extração da fibra, métodos de secagem e a eficiência dos processos de separação da fibra durante a produção de açúcar.
A polpa granulada de beterraba é normalmente apresentada em pellets entre 6 e 10 mm de diâmetro, o que obriga as fábricas de ração suína a triturá-la, modificando o tamanho das partículas e a funcionalidade da fração fibrosa contida no ingrediente (isso pode afetar a funcionalidade esperada dependendo da idade e capacidade digestiva do suíno). A fração fibrosa consiste principalmente em celulose, hemicelulose e pectinas, que são hidrolisadas e metabolizadas mais lentamente que o amido e o açúcar. Deve-se considerar que a pectina da beterraba sacarina contém um alto teor de ácido ferúlico. Estes, dentro da categoria dos ácidos fenólicos, são considerados bifuncionais e, portanto, um elemento potencialmente nutricional tanto para o organismo como para a sua microbiota. As enzimas oxidativas podem oxidar grupos de ácido ferúlico para formar uma variedade de desidro-diferulatos, -triferulatos e provavelmente produtos maiores com capacidade de gelificação e modificação da reologia intestinal.
A polpa, dependendo do tamanho das partículas, é hidrolisada mais rapidamente em oligossacarídeos derivados da pectina. Esses oligossacarídeos são compostos de ramnogalacturonano parcialmente acetilado e homogalacturonano parcialmente metilado/acetilado que são completamente fermentados pela microbiota fecal. Portanto, o valor final da polpa de beterraba em suínos vai além do seu valor nutricional, sendo a funcionalidade da fração fibrosa a de maior interesse tanto a nível reológico como substrato para a microbiota comensal, o que a torna atrativa em diversos ambientes e fases do ciclo da produção suína.
Estudo comparativo de valores nutricionais
Os sistemas utilizados na comparação são: FEDNA (Espanhol), CVB (Holandês), INRA (Francês), NRC (EUA) e ROSTAGNO (Brasil).
FEDNA1 | CVB | INRA | NRC | BRASIL | |
MS (%) | 89,9 | 89,3 - 91,2 | 88,3 - 89,1 | 87,6 | - |
Valor energético (kcal/kg) | |||||
Proteína bruta (%) | 9,2 | 7,5 - 10,2 | 8,1 - 8,8 | 9,1 | - |
Extrato etéreo (%) | 0,8 | 8,7 - 8,9 | 8,6 - 8,9 | 0,97 | - |
Fibra bruta (%) | 18,2 | 13,0 - 17,5 | 17,1 - 17,3 | - | - |
Amido (%) | 0,0 | 0,7 | 0,0 | 0,0 | - |
Açúcares (%) | 6,0 | 6,8 - 21,9 | 6,6 - 8,9 | - | - |
ED crescimento | 2600 | - | 2600 - 2630 | 2865 | - |
EM crescimento | 2450 | - | 2450 - 2480 | 2803 | - |
EN crescimento | 1480 | 2151 - 2204 | 1480 - 1500 | 1734 | - |
EN matrizes | 1700 | 2151 - 2204 | 1700 - 1710 | 1734 | - |
Valor proteico | |||||
Digestibilidade proteína bruta (%) | 50 | 46 | 50-52 | - | - |
Composição aminoácidos (% PB) | |||||
Lys | 5,9 | 3,6 - 5,6 | 3,73 - 7,20 | 5,71 | - |
Met | 1,7 | 1,1 - 1,6 | 1,05 - 1,60 | 0,77 | - |
Met + Cys | 3,0 | 2,0 - 3,0 | 1,78 - 2,80 | 1,43 | - |
Thr | 4,75 | 3,5 - 5,0 | 2,92 - 4,20 | 4,18 | - |
Trp | 1,00 | 0,6 - 1,0 | 0,73 - 0,9 | 1,10 | - |
Ile | 3,8 | 2,70 - 3,70 | 2,84 - 3,80 | 3,41 | - |
Val | 6,00 | 4,4 - 5,8 | 4,73 - 5,80 | 4,95 | - |
Arg | 4,6 | 2,9 - 4,6 | 2,67 - 4,40 | 3,52 | - |
Digestibilidade ileal padronizada (% PB) | |||||
Lys | 52 | 55 | 50 | 54 | - |
Met | 60 | 59 | 62 | 61 | - |
Met + Cys | 47 | 53 | 45 | 53,5 | - |
Thr | 30 | 28 | 31 | 29 | - |
Trp | 45 | 50 | 44 | 47 | - |
Ile | 55 | 51 | 57 | 55 | - |
Val | 42 | 42 | 43 | 42 | - |
Arg | 47 | 53 | 58 | 54 | - |
Minerais (%) | |||||
Ca | 0,98 | 0,79 - 0,90 | 1,27 - 1,29 | 0,81 | - |
P | 0,11 | 0,07 - 0,08 | 0,09 | 0,1 | - |
Pfítico | 0,01 | 0,02 | 0,08 | - | - |
Pdisponível | 0,07 | - | - | - | - |
Pdigestível | 0,06 | 0,04 - 0,05 | 0,05 | 0,06 | - |
Na | 0,16 | 0,05 | 0,03 - 0,05 | 0,2 | - |
Cl | 0,10 | 0,04 | 0,01 - 0,05 | 0,10 | - |
K | 0,49 | 0,40 - 0,65 | 0,40 - 0,43 | 0,61 | - |
Mg | 0,21 | 0,17 - 0,24 | 0,11 - 0,16 | 0,22 | - |
1Entre os sistemas de valoração estudados, a FEDNA e a NRC consideram uma única categoria para polpa de beterraba desidratada. Porém, CVB e INRA consideram mais de uma categoria baseada no tratamento tecnológico de reintrodução do melaço do processo de extração para melhorar a eficiência do processo e a qualidade do grânulo final. O BRASIL não inclui polpa de beterraba entre os ingredientes valorizados em suas tabelas por não ser país produtor ou importador de beterraba sacarina.
A polpa de beterraba desidratada apresentada em pellets é um ingrediente comum na maioria das fábricas de rações para suínos. É um ingrediente típico nas dietas de gestação e de transição para maternidades, mas também é comum nas dietas de idade precoce, embora o nível de inclusão seja altamente variável entre países e tipos de alimentos, intimamente ligado à fermentação e aproveitamento da degradação de a fração fibrosa, mas também pelas suas propriedades reológicas da digesta e pela modulação do trânsito.
A polpa de beterraba é basicamente um ingrediente fibroso e pelo seu impacto e funcionalidade é considerada na formulação de rações para suínos. O valor médio da fibra bruta é de 16,2%±2,01, porém a variabilidade é elevada (CV>10%), associada ao processo tecnológico e ao grau de reincorporação do melaço do processo de extração no momento da granulação que o CVB basicamente contempla. Se não for considerada essa faixa de reincorporação do melaço, a fibra bruta média é de 17,5%±0,48 (CV=2,73%). Por ser um ingrediente fibroso, o valor médio de proteína é baixo entre os diferentes sistemas de avaliação selecionados, sendo de 8,9% ± 0,85, observando-se para o CVB uma resposta linear de aumento do teor de proteína de 7,5% para 10,2% diretamente relacionado à reincorporação do melaço. Porém, o INRA e o CVB em sua versão com menor concentração de açúcar são os sistemas que valorizam o menor teor de proteína (PB<9,0%). Enquanto CVB (ponto médio de incorporação de açúcar), NRC e FEDNA, respectivamente, apresentam valores muito semelhantes (9,3%±0,32; CV=3,44%). A avaliação do teor de gordura é muito semelhante para a maioria dos sistemas de avaliação estudados (FEDNA, NRC, CVB e INRA), o que indica que não há impacto do processamento.
A faixa de matéria seca proposta para os diferentes sistemas de avaliação é muito estável para todos os sistemas, apresentando muito pouca variação entre eles (89,5%±1,19; CV=1,33%), porém, o teor de açúcar (principalmente lactose dentro desta categoria) é muito maior. variável (11,5%±6,28; CV=55,5%), que também pode condicionar o processo de formulação ou o seu resultado se não for levada em conta esta variabilidade. O nível básico de açúcares contemplado pela maioria dos sistemas de avaliação FEDNA, INRA e CVB é de 6,5%±0,42; CV=6,4%. O NRC não avalia o teor de açúcar para a polpa de beterraba e, no entanto, tanto o INRA como o CVB consideram claramente os níveis de reincorporação do melaço, dando níveis de aumento no teor de açúcar de 2 (INRA) e 6, 12 e 15 (CVB) pontos percentuais, respectivamente.
Por outro lado, além de ser um ingrediente fibroso, a contribuição para o valor energético devido à degradação e fermentação da fibra responde a valores médios de EN de 1872 Kcal/kg ±345 e 1943 Kcal/kg ±249, respetivamente para animais em crescimento e adultos. A grande variabilidade (CV >10%) em termos de kcal/kg, que pode afetar o teor final de EN da fórmula e a regulação do consumo (>150kcal), é explicada principalmente pelo teor diferencial de açúcares derivado da reincorporação do melaço para facilitar o processo de granulação (R2=0,78). Porém, o CVB atribui valores elevados de EN também em ingredientes com baixo teor de açúcar, assumindo uma maior contribuição da degradação das fibras do que do açúcar quando estes estão com teor <10%.
A variação e resposta observada no teor de proteína associada ao processamento à reincorporação de açúcares (melaço) não é consistente com o teor de AA tomando a lisina como referência, apresentando uma relação inversamente proporcional onde a variação entre o teor de AA e o teor de açúcar ( R2=0,99, sem considerar INRA com alto teor de açúcar, que também apresenta supervalorização de aminoácidos com valores bem acima da média), com o CV para todos os AAs <1%. Porém, esse comportamento não é o mesmo para aminoácidos, os AAs contendo enxofre não apresentam correlação (R2<0,10) e os AAs ramificados (Ile e Val) apresentam correlações negativas menores que a lisina (R2<0,65), enquanto a Treonina e o Triptofano apresentam correlações altas (R2<0,90). O coeficiente de digestibilidade da proteína e da lisina apresenta variação entre 50-55%, sendo muito semelhante entre os sistemas de avaliação estudados.
É importante destacar que em média o valor de Ca é semelhante ao de muitos dos cereais utilizados na alimentação animal (0,81%±0,09) se não considerarmos as classificações fornecidas pelo sistema INRA, que apresenta um teor de Ca 70% superior do que a média apresentada pelos restantes sistemas de avaliação (FEDNA, NRC e CVB). Porém, a variabilidade é alta (CV>10%), tornando importante considerar esta variabilidade no conteúdo mineral.
Descobertas recentes
1. Influência do tipo de fibra e da suplementação de carboidrase na digestibilidade dos nutrientes, no balanço energético e de nitrogênio e na fisiologia em fêmeas gestantes
O presente estudo avaliou os efeitos e mecanismos da suplementação com multicarboidrase em dietas de fêmeas gestantes contendo grãos secos de destilaria de milho ou coprodutos fibrosos da polpa de beterraba sacarina. Foi observada melhora significativa na digestibilidade de energia, matéria seca e fibra com a suplementação de carboidrase, independente do tempo de adaptação. No entanto, a interação entre a suplementação enzimática e o tipo de fibra levou a diferentes respostas de marcadores imunológicos. Matrizes no final da gestação apresentaram maior digestibilidade de nutrientes e energia e balanço de nitrogênio alterado em relação ao 50º dia de gestação. Estas descobertas destacam os benefícios potenciais da incorporação de carboidrases nas dietas de fêmeas gestantes para melhorar a utilização de nutrientes e a eficiência metabólica. Além disso, o estudo destaca a complexa interação entre a suplementação enzimática, o tempo de adaptação, as características da fibra alimentar e as respostas imunológicas, oferecendo informações valiosas sobre os mecanismos subjacentes que regem a fisiologia das porcas durante a gestação e a influência da suplementação enzimática.
2. Influência dos coprodutos ricos em fibras na digestibilidade e utilização de nutrientes e energia em matrizes
Os coprodutos da indústria agroalimentar têm potencial para substituir parcialmente os cereais nas dietas de fêmeas vazias não lactantes. Muitos coprodutos possuem alto teor de fibras e composição fibrosa diversificada. Alguns são facilmente fermentáveis, enquanto outros são mais resistentes à fermentação, levando a uma grande variação na digestibilidade total do trato e na utilização de nutrientes e energia. Não se sabe bem como os coprodutos ricos em fibras são digeridos e utilizados nas matrizes, mas é importante garantir uma composição energética e proteica ideal da ração, dependendo da fase fisiológica da fêmea. O objetivo deste estudo foi aumentar o conhecimento sobre a digestibilidade e utilização de seis coprodutos ricos em fibras que poderiam ser incluídos na alimentação de matrizes. Cascas de ervilha e polpa de beterraba sacarina foram adequadas como substitutos de cereais devido à sua alta digestibilidade total e à ausência de efeitos negativos na utilização de energia e proteína. Polpa de batata e bagaço de cerveja também eram adequados. Porém, deve-se ter cuidado ao equilibrar as dietas devido ao aumento da produção de nitrogênio fecal e urinário, o que aumentará o impacto ambiental. Os resíduos de pectina e sementes servem principalmente para preencher o intestino.
3. Influência da suplementação com polpa de beterraba sacarina na saúde e qualidade da produção suína
O presente trabalho estudou o efeito da suplementação com polpa de beterraba sacarina na dieta sobre a qualidade da carne suína, examinando o efeito de uma dieta suplementada com polpa de beterraba sacarina (3%) (grupo TG-I) em 300 suínos Large White/Norwegian Landrace, em termos de desempenho de crescimento, parâmetros sanguíneos, perfil microbiano das fezes, parâmetros de carcaça e qualidade da carne, incluindo perfis de aminas biogênicas (BA), ácidos graxos (FA) e compostos voláteis (CV). Após 163 dias de experimento, os suínos TG-I apresentaram ganho médio diário e taxa de conversão significativamente menores que os suínos do grupo controle, bem como uma porcentagem significativamente maior de carcaças das classes S e KN e uma porcentagem menor de as classes E e U (p ≤ 0,05). As fezes do TG-I continham significativamente mais bactérias consideradas probióticas. Diferenças significativas (p ≤ 0,05) foram encontradas na maioria dos parâmetros sanguíneos, GA, CV e respostas emocionais entre os dois grupos. Maior perda por gotejamento, teor de proteína e cor vermelha, bem como menor perda por cozimento, teor de gordura intramuscular e luminosidade foram observados nas carnes do GT-I. A maioria das propriedades sensoriais, bem como a aceitabilidade geral, foram classificadas como superiores para a carne TG-I. Concluiu-se que uma dieta com 3% de polpa de beterraba sacarina pode ser benéfica para melhorar a saúde intestinal dos suínos e a qualidade da carne suína.
4. Aumentar o fornecimento de ração e fibra alimentar proveniente da polpa de beterraba sacarina melhorou a retenção de energia em matrizes gestantes
Alimentar matrizes com polpa de beterraba sacarina tem muitos benefícios conhecidos, por exemplo, aumentando a saciedade, e é uma fonte de fibra altamente fermentável para fêmeas. Este estudo investiga a eficiência com que as porcas utilizam energia para retenção de gordura e proteína em resposta ao aumento da inclusão de polpa de beterraba sacarina na dieta. Após uma lactação exigente, as matrizes precisam repor a gordura corporal e, concomitantemente, evitar a retenção excessiva de proteínas, o que aumenta a demanda energética para manutenção e o risco de problemas locomotores. A hipótese deste estudo foi que a energia das fibras fermentadas é mais eficaz para a retenção de gordura do que o amido dietético. No estudo, as porcas tiveram uma retenção numericamente maior de gordura quando alimentadas com altas concentrações de fibra da polpa de beterraba sacarina, mas concomitantemente, as porcas também aumentaram involuntariamente a sua retenção de proteínas, o que por sua vez aumentou substancialmente o seu peso vivo. As matrizes foram alimentadas com uma de três estratégias de alimentação, dependendo do índice de condição corporal (magra, média ou gorda) no início da gestação e a gordura dorsal foi eficientemente restaurada na maioria das matrizes no período de um mês. Concluindo, as fêmeas prenhes têm uma grande capacidade de aproveitamento da energia proveniente da fibra fermentada, mas retêm a proteína antes da gordura, o que deve ser levado em consideração na nutrição das matrizes do genótipo atual.
Referências
FAOSTAT: http://www.fao.org/faostat/es/#data/QC
http://www.mapama.gob.es/es/agricultura/temas/producciones-agricolas/cultivos-herbaceos/cereales/
FEDNA: http://www.fundacionfedna.org/
Rostagno, H,S, 2017, TABLAS BRASILEÑAS PARA AVES Y CERDOS, Composición de Alimentos y Requerimientos Nutricionales, 4° Ed.
Sauvant D, Perez, J, y Tran G, 2004, Tablas de composición y de valor nutritivo de las materias primas destinadas a los animales de interés ganadero, INRA.
https://www.indexmundi.com/agriculture/