O desafio imposto pelo crescimento e modernização da suinocultura
Diante de um cenário de pleno crescimento do setor, sobretudo em produtividade, e de desafios como a constante pressão dos custos de insumos e a necessidade de atendimento às normas ambientais, de bem-estar animal e humano, hoje exigidas com muito mais vigor, o suinocultor já entendeu a necessidade de se manter altamente competitivo no mercado.
Esses desafios, que tornam as margens de lucro cada dia mais estreitas, contribuem para que uma gestão estratégica e organizada da porteira para dentro da granja seja fundamental na otimização e equilíbrio dessa conta. Assim, o produtor assume o controle do que está em suas mãos e a responsabilidade pelas suas próprias decisões, possibilitando-o uma maior previsibilidade dos seus resultados.
Quando falamos na gestão dentro da empresa, sabemos que muitas granjas convivem com limitações que tornam os seus resultados zootécnicos e econômicos imprevisíveis e inconstantes. Dentre estas, a mais citada pelos gestores é o de lidar com “mão-de-obra”, quando relatam a falta de comprometimento e alta taxa de rotatividade de pessoal, problemas cada vez mais notórios e diretamente proporcionais ao nível de profissionalização do setor.
Visão coletiva: como gestores e equipes percebem o comprometimento?
Em mais de 15 anos lidando com gestores de granjas, ouvi e presenciei inúmeros relatos de problemas quase sempre atribuídos aos comportamentos dos funcionários e coordenadores de produção, como falta de organização, atenção e dedicação às prioridades de rotina, falhas de comunicação e conflitos entre funcionários e entre estes e seus gestores.
Paralelamente, em minhas mentorias de Liderança, também tive a oportunidade de ouvir centenas de funcionários dessas granjas durante a realização de pesquisas de clima organizacional, por meio das quais pude conhecer suas percepções individuais a respeito do trabalho que realizam e da sua relação com a empresa e seus líderes diretos.
Nessas abordagens, são avaliados os fatores que interferem no desempenho da equipe e nos resultados da granja, como capacidade técnica e de relacionamento dos gerentes, condições de trabalho oferecidas, qualidade da comunicação, acesso a treinamentos, remuneração e reconhecimento. De uma forma geral, o item com mais baixa avaliação tem sido a capacidade de liderança dos gerentes e coordenadores, seguido dos itens comunicação e reconhecimento (Figura 1).
Essa experiência me fez desenvolver percepções bem acuradas da realidade, que me permitiram compreender o problema do comprometimento não apenas sob o ponto de vista dos gestores, mas também da equipe operacional.
Comprometimento é uma via de mão-dupla
Antes de qualquer julgamento a respeito da atitude de comprometimento nas granjas, é importante uma melhor compreensão do significado dessa palavra. Em consulta a um dicionário, encontraremos que o termo teve origem no latim Compromittere, que significa “fazer uma promessa recíproca”.
Segundo o autor Idalberto Chiavenato, referência no campo da administração, a relação entre os funcionários e as empresas se dá pela troca de contribuições e incentivos (Figuras 2 e 3).
Os colaboradores dão contribuições (trabalho, dedicação, pontualidade e assiduidade) que permitirão o alcance dos objetivos da empresa, e esta oferece incentivos para o funcionário (salário, condições adequadas de trabalho, oportunidades de crescimento e reconhecimento) que proporcionem a realização de seus objetivos pessoais.
Reiteramos, porém, que essa relação de troca não é algo imposto e sim, conquistado. É fruto de um ambiente construído pelas inúmeras interações entre as pessoas envolvidas e as particularidades do ambiente de trabalho.
A partir dessas considerações, vale refletir: será que nós, gestores, estamos contribuindo com a nossa parte, enquanto cobramos o comprometimento da nossa equipe?
A reciprocidade no dia a dia das granjas
Lembro de um caso que me chamou bastante atenção, uma granja que enfrentava alta taxa de rotatividade de pessoas por anos subsequentes. O gerente relatava sua dificuldade para contratar e manter gente comprometida e dedicada, alegando diversas razões sob a sua percepção, sem levar em conta que os seus funcionários nunca haviam recebido treinamento formal e assistido (somente a famosa instrução “fica aí com fulano de tal e acompanha o manejo até aprender”). Além disso, trabalhavam sobrecarregados e não tinham espaço onde se sentiam confortáveis para expressar suas opiniões e necessidades.
Outra granja onde os funcionários noturnos eram fortemente cobrados pela redução da mortalidade de leitões e eram privados de tempo mínimo de descanso, por conta da intensa carga horária e falhas nos regimes de folgas, que comprometiam sua vida familiar, saúde, atenção e, consequentemente, a dedicação ao trabalho.
Partindo desse entendimento, podemos afirmar que comprometimento é uma via de mão-dupla, ou seja, é necessário que ele seja coletivo, por meio de uma relação de corresponsabilidade que, se ausente, gera um dos efeitos mais prejudiciais ao trabalho do gestor e para o setor, que é a alta rotatividade, que torna os resultados inconstantes.
Conclusão
Certificar-se da relação de reciprocidade pode ser o primeiro passo para quem busca compreender e solucionar desafios com “mão-de-obra”. Em seguida, cabem decisões que equilibrem demandas e necessidades dentro da realidade de cada granja.
Mas quero deixar aqui uma provocação: será isso suficiente? E como sustentar o comprometimento mútuo? Como criar ambientes de trabalho onde a reciprocidade seja uma atitude voluntária, não condicionada a uma simples relação de trocas e interesses? Como elevar o nível dessa conexão?
Os desafios enfrentados pelo nosso setor e as tendências deste novo mundo pós-pandemia nos sinalizam que precisamos de uma nova mentalidade de liderança, para enxergar a suinocultura como um sistema complexo, com muitos fatores inter-relacionados e interdependentes. E é sobre isso que vamos tratar com atenção nos próximos artigos.