Os surtos clínicos da Peste Suína Africana nem sempre seguem a descrição dos livros didáticos, que afirmam que a "apresentação clínica" mais importante da PSA em suínos é a morte súbita. Na realidade, o vírus é menos infeccioso do que muitos outros com os quais é habitual lidar nas granjas e, como resultado, o tempo que leva para a doença se espalhar dentro de uma granja pode variar entre dias e semanas. Na granja, essa variabilidade às vezes confunde e pode atrasar seu diagnóstico preciso no campo. Os principais sinais clínicos associados às diferentes formas de PSA estão resumidos na Tabela 1. Como se pode observar, os sinais clínicos para cada forma são muito variáveis. Os fatores que determinam a apresentação da doença incluem a virulência do vírus, a rota de exposição, a dose infecciosa, a presença de outros agentes patogênicos ou o nível endémico da área. Mas, como se manifesta o curso desta doença no campo mais recentemente? Como se apresentam os surtos? Quais os sinais clínicos mais comuns? Estas e muitas outras perguntas foram feitas aos nossos especialistas em suínos, com grande experiência com a doença na Rússia, nos países bálticos, na Polónia e na China para assim, entendermos melhor sobre o assunto.
Tabela 1. Principais sinais clínicos e descobertas post mortem observados nas diferentes formas de PSA (Sanchez-Vizcaino et al., 2015)
Hiperaguda | Aguda | Subaguda | Crónica | |
---|---|---|---|---|
Febre | Alta | Alta | Moderada | Irregular ou inexistente |
Trombocitopenia | Ausente | Ausente ou leve (tardia) | Transitória | Ausente |
Pele | Eritema | Eritema | Eritema | Áreas necróticas |
Linfonodos | - | Gastro-hepático e renal com aspecto marmóreo | A maioria dos linfonodos assemelha-se a um coágulo sanguíneo | Inflamados |
Baço | - | Esplenomegalia hiperêmica | Esplenomegalia parcial hiperêmica ou infarto focal | Aumentado de tamanho com coloração normal |
Rim | - | Hemorragias petequiais, principalmente no córtex renal | Hemorragias petequiais no córtex renal, médula e pélvis; edema peri-renal | - |
Pulmão | - | Edema alveolar severo | - | Pleurite e pneumonia |
Vesícula biliar | - | Hemorragias petequiais | Edema na parede | - |
Coração | - | Hemorragias no epicárdio e endocárdio | Hemorragias no epicárdio e endocárdio; hidropericárdio | Pericardite fibrinosa |
Amígdalas | - | - | - | Focos necróticos |
Alterações reprodutivas | - | - | Abortos | Abortos |
Dos quatro especialistas, 3 viram surtos de PSA no campo, enquanto o quarto especialista trabalha num laboratório de PSA. O Dr. Kolbasov, o atual diretor do centro de referência russo para pesquisa e diagnóstico de PSA recebe amostras positivas de todos os novos casos das novas regiões afetadas na Rússia. A nível do laboratório, a sua função é sequenciar todas os novos estirpes e realizar bio-ensaios. Ele confirmou que todas as amostras que recebeu resultaram nos sinais clínicos clássicos de formas hiperagudas / agudas. Na sua opinião, os surtos de PSA na produção comercial de suínos na Rússia foram identificados por veterinários em produção que reconhecem as diferentes formas. No entanto, expressa a sua preocupação com as granjas ''caseiras'', uma vez que o pequeno tamanho dessas populações dificulta a identificação do surto inicial. Como resultado, um “novo caso (index case)” de uma nova região pode passar despercebido facilmente. Se, numa granja caseira, tiver apenas 2 suínos e um morrer repentinamente, é improvável que amostras para diagnóstico sejam recolhidas, faltando informações desse surto, o que preocupa a atual cenário, porque um relatório tardio do um surto, colocaria toda a área num risco tremendo.
O Dr. Karbowiak diagnosticou o seu primeiro surto de PSA numa granja de 700 suínos no final do Inverno de 2018 na Polônia. O produtor ligou-lhe porque em dos 2 galpões que continha trezentos e cinquenta animais de 80 kg, em cama de palha profunda, os animais estavam apáticos e apresentavam alguns sinais de febre alta. Dois animais foram encontrados mortos na noite anterior e mais dois morreram naquela manhã. O produtor mencionou que, 10 dias antes do surto, ele entrou naquele galpão com um veículo para mudar a cama. O diagnóstico diferencial do Dr. Karbowiak incluiu erisipela aguda, pleuropneumonia aguda causada por Actinobacillus ou um surto agudo devido ao vírus da gripe suína tipo A. No entanto, após realizar as necropsias e observar o baço aumentado e as hemorragias petequiais nos rins dos animais afectados, decidiu chamar os veterinários oficiais para descartar um possível surto de PSA (Imagem 1).
Mr. Corns já viu surtos de PSA na China e na Rússia. Corns faz alusão à apresentação do Dr. Gustavo López que, no ano anterior na A.D. Leman Swine Conference, referiu as suas experiências russas com PSA. Os sintomas começaram numa engorda comercial e depois foram para a unidade de reposição de leitoas. Os animais tinham diarreia leve com sangue, um aumento da temperatura e perda de apetite. Não responderam à terapia com antibióticos e desde os dias 10 a 14 após o início do surto, os animais recém afetados começaram a mostrar lesões hemorrágicas nas pontas das orelhas (ou seja, orelhas azuis). As descobertas post mortem incluíam baço aumentado e gânglios linfáticos hemorrágicos. Esses achados, juntamente com a falta de resposta ao tratamento com antibióticos, foram os desencandeadores da investigação e diagnóstico de PSA.
Dr. Cepulis, é um consultor veterinário com experiência em suínos, com sede na Lituânia, e trabalhando em toda a região do Báltico. Ele acompanhou de perto o maior surto na Lituânia durante o Verão de 2017. A granja de 3000 matrizes de ciclo completo, relatou um aumento na mortalidade na engorda com morte súbita. No momento em que mortes súbitas começaram a ocorrer nas matrizes foi quando decidiram enviar amostras para o laboratório e foi confirmada a PSA. Durante a sua entrevista, partilhou uma piada afirmando que, segundo a sua experiência, os agentes patogênicos que podem matar as matrizes costumam ter apenas 3 letras: App, CSF e, mais recentemente, a PSA! Mas fica sério quando afirma que, nos Países Bálticos, os cenários de surtos tendem a mostrar poucos sinais clínicos específicos, apenas a presença de mortes e febre repentinas.
Mas, quão rápido costuma propagar-se a doença dentro de uma granja? Os nossos profissionais observaram que a doença costuma mover-se, nas granjas comerciais, a diferentes velocidades. O Sr. Corns esteve de acordo com o Dr. López em classificar o surto russo como sub-agudo. Nesse caso, a doença moveu-se relativamente devagar pela granja. Causou 3% de mortalidade no dia 3 e no dia 10 a mortalidade excedia 7%. Na China, teve uma experiência diferente, na qual os surtos parecem ser, por norma, mais agudos e a mortalidade aumenta mais rapidamente. O Dr. Cepulis também classificou o surto como sub-agudo. De acordo com sua experiência, a infecção espalha-se lentamente, o aumento da mortalidade não é repentino e, portanto, não é fácil reconhecer os sinais clínicos da PSA numa granja grande, especialmente se não for realizado um exame post mortem. Ele recomenda o envio de amostras logo que se deparem com sintomas hemorrágicos. O Dr. Karbowiak classificou o surto que experienciou no campo como agudo. O Dr. Karbowiak recorda bem a quantidade de horas que esteve na granja e como a mortalidade aumentava por hora. Quando ele chegou havia 2 animais mortos da noite anterior, uma hora depois de chamar os veterinários oficiais eles chegaram e, durante as 5 horas que esteve na granja com eles, um total de 5 animais morreram, a uma média de 1 animal por hora. Não esquecerá com facilidade esse número (Video 1). Os veterinários oficiais comunicaram-lhe as suas suspeitas de que a palha agiu como fômite mais provável da transmissão. Consideraram que o alto número de amostras positivas por PCR era indicativo de que o grupo foi exposto simultaneamente, o que seria consistente com a exposição a palha contaminada. Alguns animais já apresentavam títulos baixos no teste de ELISA.
Video 1: Sinais clínicos observados num surto de PSA na Polónia. Cortesia do Dr. Pawel Karbowiak
O Dr. Cepulis, falou-nos sobre os diferentes cenários epidemiológicos que estão a ocorrer na população de javalis e como o ciclo selvagem da doença parece estar mudando bem como a maneira como a doença está ocorrendo em suínos selvagens. Pesquisas recentes sobre javalis vivos presentes em florestas demonstraram a presença de níveis de anticorpos contra o vírus PSA, o que preocupa porque a doença parece estar mudando para uma forma mais sub-aguda ou crônica nessa população. Após sobreviverem à doença, esses animais agirão como transportadores e disseminadores. Esse fato é o mais importante para o controle e possíveis estratégias de erradicação que poderiam ser implementadas em países europeus com altas populações de javalis.
No próximo artigo, relataremos como os profissionais entrevistados descreveram a resposta veterinária oficial, bem como os aspectos mais importantes de biossegurança que eles implementam nas granjas dos seus clientes.